Discurso do Senhor Presidente da República na Cúpula de San Juan

05-10-2010 18:04

 San Juan-Argentina, 3 de agosto de 2010

 

Excelentíssima Senhora Cristina Kirchner, Presidente da Argentina e Presidente Pro Tempore do Mercosul

Excelentíssimo Senhor Fernando Lugo, Presidente do Paraguai

Excelentíssimo Senhor José Mujica, Presidente do Uruguai

Excelentíssimo Senhor Evo Morales, Presidente da Bolívia

Excelentíssimo Senhor Sebastián Piñera, Presidente do Chile

Senhor José Luis Gioja, Governador da Província de San Juan

Senhores Ministros

Senhor Néstor Kirchner, Secretário-Geral da Unasul, por meio de quem cumprimento os demais representantes de organismos internacionais

Senhores representantes do Parlamento do Mercosul

Senhoras e Senhores

Companheiros Presidentes,

Nas últimas vezes em que nos encontramos, falamos bastante sobre a crise financeira internacional.

Hoje é diferente. Nossas economias vivem um círculo virtuoso, pois não descuidamos do nosso desenvolvimento.

Reagimos com políticas ativas para sustentar a economia, criar postos de trabalho e proteger os mais pobres.

A CEPAL nos diz que as economias do Mercosul serão as 4 melhores da América Latina.

Crescerão a taxas de 7% ao ano em 2010, muito acima da grande maioria dos outros países do mundo. Esse é um fato extraordinário que se reflete sobre nosso processo de integração.

Os projetos FOCEM que aprovamos nesta reunião são uma clara demonstração disso.

São US$ 800 milhões em projetos do Mercosul que beneficiarão, sobretudo, o Paraguai e o Uruguai.

Esse valor é mais de quatro vezes superior a todo o montante aprovado desde a entrada em operação do Fundo, em 2007.
Esses projetos levarão estradas para a integração nacional e o escoamento da produção em nossos países.

No Uruguai e no Paraguai, o FOCEM ajuda a construir linhas de transmissão, que vão levar energia e desenvolvimento para boa parte desses países.

Nossos projetos vão reformar escolas e tornar realidade uma instituição que se dedicará a fomentar um pensamento e uma cultura da integração: a biblioteca da Universidade Federal da Integração Latino-Americana.

Poucos acreditavam que poderíamos dar novo passo decisivo para a consolidação da União Aduaneira.

Ontem, porém, decidimos começar efetivamente a eliminar a dupla cobrança da Tarifa Externa Comum.

Por esse meio, vamos aprofundar a integração de nossas estruturas produtivas e fortalecer nossa capacidade de inserção competitiva internacional.

Na Presidência brasileira, gostaria de contar com o apoio de todos para definir um cronograma que elimine progressivamente as exceções à Tarifa Externa Comum, respeitadas as assimetrias e sensibilidades de todos os sócios.

Já mostramos que sabemos ser audazes e criativos. A despeito dos céticos, criamos um sistema inovador que dispensa o uso de moeda estrangeira no comércio entre nossos países.

O Mercosul foi pioneiro ao criar o Sistema de Pagamento em Moedas Locais. O sistema começou com a Argentina e vamos implementá-lo agora com o Uruguai.

O Mercosul é grande. Maior do que alguns pequenos pensam que é. Por isso devemos celebrar com entusiasmo os 20 anos do nosso projeto, quando de seu aniversário em março de 2011.

Companheiros Presidentes,

É hora de pensar os próximos vinte anos do Mercosul. Temos de definir o que queremos para o nosso projeto de integração.

Esse é um dos debates que o Brasil deseja promover durante sua Presidência Pro Tempore.

Nos seus primeiros vinte anos, o Mercosul foi principalmente um projeto econômico- comercial.

Nos próximos vinte, temos de aprofundar a dimensão política, social e cultural do bloco.

Ao mesmo tempo devemos ampliar as condições para provar que o crescimento compartilhado é mais sólido e duradouro que os projetos isolados e alimentados por falsas rivalidades.

O Mercosul não é mais só uma iniciativa dos Estados. Pertence às forças vivas da sociedade.

O Mercosul tem de ser a cara das pessoas e as pessoas precisam se reconhecer nele. Temos de construir o Mercosul dos povos.

Mais do que nunca, é hora de inserir a cidadania no nosso projeto de integração.

Uma das nossas prioridades será aprovar a representação cidadã para permitir a eleição direta do Parlamento do Mercosul por todos os países do bloco, como já faz o Paraguai.

Vamos trabalhar com flexibilidade, mas com determinação.

É preciso inovar. Devemos dar um passo concreto para aumentar a participação da sociedade civil nas instâncias do Mercosul.

Por isso, vamos propor a criação de uma unidade de apoio à participação social na Secretaria do Mercosul, em Montevidéu.

Promovemos no semestre passado a primeira reunião da Comissão de Coordenação de Ministros de Assuntos Sociais, para coordenar o desenvolvimento de políticas sociais entre os países do Mercosul.

Estamos estruturando o Instituto Social do Mercosul, que terá importante função na pesquisa e análise de políticas públicas para o desenvolvimento social na região. Precisamos apoiar essas ações.

Temos de reafirmar a prioridade do desenvolvimento sustentável na agenda do nosso bloco.

Com a assinatura do Acordo sobre o Sistema do Aqüífero Guarani, negociado desde 2004, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai mostraram ao mundo nossa capacidade de gerir nossos recursos naturais.

O Mercosul pode e deve influenciar mais nas negociações ambientais, em especial sobre mudança do clima. Coordenados, chegaremos mais fortes à COP-16, em Cancún.

Necessitamos ampliar as condições para a livre circulação de pessoas.

Em paralelo, precisamos integrar nossa capacidade coletiva de combater ilícitos transnacionais, como fizeram nossos Ministros da Justiça com o Acordo-Quadro para Criação de Equipes Conjuntas de Investigação, aprovado nesta Cúpula.

E temos de ouvir mais os jovens. Ajudar a difundir entre eles uma consciência da sua identidade como cidadãos do Mercosul.

Um Mercosul jovem é um Mercosul mais dinâmico, mais inovador, mais próspero. É o Mercosul do futuro. Necessitamos de uma “geração Mercosul”.

Caros amigos,

As decisões que tomamos neste ano mostram nossa capacidade de trabalharmos juntos.

Somente assim poderemos superar adversidades e aproveitar as oportunidades que teremos pela frente.

Estamos perfeitamente conscientes do muito que temos por fazer.

E sempre que nos angustiamos com nossas dificuldades, é preciso olhar para o que éramos há alguns anos. Avançamos de forma extraordinária.

Nossos países ajudarão a puxar o crescimento da economia mundial.

Nosso mercado de trabalho se manterá em expansão, nossas empresas continuarão a prosperar.

Nossas empresas geram empregos nos nossos países. Elas têm que estar entre as que mais aproveitarão as oportunidades de crescimento que estamos vivendo hoje.

O Estado tem um papel a cumprir. Por isso é importante concluir até o final do ano o Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul.

O Mercosul é o território agrícola mais produtivo do mundo. Mas somos muito mais do que isso.

Temos um parque industrial moderno, mas também um setor de serviços em plena expansão.

Precisamos realizar juntos o nosso potencial nesse setor. Para isso, precisamos dar um novo impulso ao comércio de serviços entre nossos países.

Nos últimos anos, aumentou muito o volume de investimentos de nossos países no Mercosul.

Precisamos trabalhar num mecanismo jurídico que estimule os investimentos, com respeito à soberania dos nossos países.

Vamos aprofundar e ampliar as políticas de inclusão que mudaram a cara das nossas sociedades nos últimos anos.

Graças a elas nossa região foi relativamente menos afetada pela crise econômica internacional.

Com essa confiança, discutiremos com a União Europeia, no processo relançado em maio, os termos para um acordo equilibrado e abrangente com sensibilidade para as assimetrias entre os dois lados.

Com o expressivo dinamismo das economias emergentes, o Mercosul deve engajar-se ainda mais em diálogos que visem a reforçar o comércio e a cooperação Sul-Sul.

O Acordo firmado com o Egito nesta reunião é prova da disposição do bloco para prosseguir nesse objetivo.

Devemos intensificar contatos com os países e grupos com os quais já chegamos a entendimentos concretos, como a Índia, a SACU e Israel.

Devemos também ampliar a interlocução com parceiros que já sinalizaram interesse em acordos com o Mercosul, sobretudo com Jordânia, Palestina, Síria e o Conselho de Cooperação do Golfo.

Companheiros,

O Mercosul está olhando, cada vez mais, para toda a América do Sul e para a América Latina e o Caribe.

Quero saudar o companheiro Néstor Kirchner, que, com seu conhecimento e experiência política do nosso continente, está sendo um extraordinário Secretário-Geral da UNASUL.

É preciso traduzir a reafirmação do projeto de integração regional – impulsionada pela criação da UNASUL e pelas Cúpulas de Sauípe e de Cancún – em benefícios concretos para nossos povos.

A conclusão do processo de adesão da Venezuela ao Mercosul é passo importante nessa direção.

Queremos avançar nas conversas com o Chile e a Colômbia para ampliar a cobertura dos Acordos com o Mercosul.

Ao amparo do Acordo com o nosso bloco, o México e o Brasil dialogam sobre caminhos possíveis para abrir novas oportunidades de comércio e investimentos recíprocos.

Pretendemos retomar as conversações com a América Central e com a CARICOM para explorar novas possibilidades de cooperação com o Mercosul.

Quero saudar aqui, muito especialmente, a iniciativa que estamos tomando para ajudar na reconstrução do Haiti.

Ao facilitar as condições para importação de produtos têxteis haitianos, estamos abrindo oportunidades para gerar empregos e desenvolvimento naquele país-irmão.

Mais uma vez, provamos que não é preciso ser rico para ser solidário.

 

Companheiros,

O Brasil assume hoje a Presidência Pro Tempore do Mercosul com a consciência do desafio que será levar adiante o importante legado de nossa querida Cristina.

É sempre uma dificuldade assumir a Presidência Pro Tempore depois da Argentina e, nesse ano, essa dificuldade é particularmente maior, pelo significado das conquistas logradas no primeiro semestre.

Mas podem ter certeza de que vou empenhar-me, de todas as formas, para que o Mercosul continue avançando como exemplo de integração solidária, voltada para a promoção da paz, segurança, democracia e desenvolvimento com justiça social.

Muito obrigado.

 

*****

 

Bem, primeiro, eu queria cumprimentar a companheira Cristina Kirchner, presidente da Argentina e presidente Pro Tempore do Mercosul,

Cumprimentar o companheiro Fernando Lugo, presidente do Paraguai,

Cumprimentar o companheiro José Mujica, presidente do Uruguai,

Cumprimentar o companheiro Evo Morales, presidente da Bolívia,

Cumprimentar o companheiro Sebastián Piñera, presidente do Chile,

Cumprimentar o nosso querido secretário-geral da Unasul, companheiro Kirchner,

Cumprimentar os companheiros representantes de organismos internacionais,

Cumprimentar o nosso querido Governador da Província de San Juan,

Queria cumprimentar os chefes de delegações,

Queria cumprimentar os representantes do Parlamento do Mercosul,

Cumprimentar os representantes dos movimentos sociais aqui presentes,

 

E dizer para a Cristina que vou fazer um esforço imenso para não levar todo o tempo que levávamos para falar, alguns anos atrás.

Mas queria começar reconhecendo que ontem à noite quando eu cheguei aqui, às dez e meia da noite, onze horas – o companheiro Celso Amorim já estava recolhido, certamente telefonando para sua mulher –, eu me encontrei com os meus assessores que, unanimemente, me disseram que esta reunião de San Juan tinha sido a melhor reunião, depois de Ouro Preto, do Mercosul – já faz muito tempo –, e estava todo mundo feliz com o conteúdo e a qualidade das decisões que foram aprovadas aqui. Portanto, eu acho que o clima de San Juan, Governador, permitiu que o Mercosul avançasse nisso. Esta, na verdade, deve ser considerada a Declaração de San Juan, grande declaração.

Bem, queria dizer aos companheiros que eu sou decano do Mercosul, sou o presidente mais velho. De idade, estou igual a Pepe, mas de participação no Mercosul eu sou o presidente que mais tempo está exercendo a Presidência. O que é triste é que para quem está no governo oito anos não é nada, e para quem está na oposição oito anos é uma eternidade. Entonces, eu tenho que sair para contemplar um pouco a oposição que quer disputar uma eleição, embora vá perder.

Segundo, dizer um pouco, Cristina, do clima que era o Mercosul, no começo. O companheiro Kirchner não está aqui presente agora, deve estar em uma bilateral. Mas eu queria dizer que os avanços do Mercosul, na minha visão, foram avanços extraordinários. Eu lembro que eu fiz uma campanha para presidente da República em 2002, em que o grande tema da campanha era se iria prevalecer a implantação da Alca ou não. E o movimento social, o movimento sindical, o meu partido e as pessoas de esquerda no meu país, todos éramos contra a Alca, todos. E éramos acusados de não querer que o Brasil se desenvolvesse, éramos acusados de não perceber a importância dos Estados Unidos para o desenvolvimento da América do Sul. E nós afirmávamos que na Alca não tinha nenhuma proposta condescendente, como teve a proposta da criação da União Europeia, em que países como Portugal, Grécia, Espanha, receberam ajuda financeira para desenvolver os seus países, investimentos em infraestrutura, e se colocarem, mais ou menos, em igualdade de condições. Então, a Alca, no fundo, no fundo, no fundo, era uma proposta que não tinha nenhum propósito de ajudar com que os países mais pobres pudessem ter ajuda para se desenvolverem e se transformarem em países minimamente competitivos com os países ricos.

O dado concreto é que nós ganhamos as eleições. Depois de algum tempo, veio o Kirchner e ganhou as eleições. O dado concreto é que dois anos depois que estávamos na Presidência da República, nem os Estados Unidos falavam mais em Alca, ninguém falava mais em Alca. Talvez, alguns saudosistas acreditassem que poderiam continuar falando na Alca. E nós fizemos uma coisa e a história, às vezes leva anos para mostrar e às vezes... Eu lembro quantos discursos eu ouvi, eu lembro quantas vezes eu lia jornal de países aqui do Mercosul, em que os presidentes participavam de algumas reuniões e voltavam para os seus países dizendo: “O Mercosul não adianta, porque o Mercosul não vai para a frente, porque é preciso nos voltarmos para tentar fazer acordo direto com os Estados Unidos”. Nós nunca fizemos nenhuma crítica a quem quisesse fazer acordo, com quem quisesse. Era um direito soberano de cada país fazer acordo com os Estados Unidos, fazer acordo com a Europa, fazer acordo com o Japão. Mas o que nós queríamos era fortalecer o potencial de similaridade que nós tínhamos e que não era explorado.

Pois bem, eu acho que os resultados econômicos do Mercosul demonstram, por si só, o acerto das decisões que nós tomamos quando resolvemos fortalecer o Mercosul. É só pegar o fluxo comercial e, além do fluxo comercial, pegar os avanços de integração, e, sobretudo, pegar os avanços da interação política que houve entre os nossos companheiros governantes, ministros e o povo em geral. Há um processo de confiabilidade hoje que não havia dez anos atrás ou que não havia oito anos atrás.

Além disso, nós tivemos a oportunidade de fazer duas reuniões da América do Sul com os Países Árabes – parecia impossível e aconteceram as duas reuniões –; nós fizemos duas reuniões entre a América do Sul e o continente africano – parecia impossível e aconteceram as reuniões –; e nós fizemos a primeira reunião, em 200 anos de independência, de toda a América Latina mais o Caribe, que foi a reunião de Sauípe, na Bahia, o que parecia impossível.

Muitas vezes, muitas vezes, nós ficamos ansiosos porque vamos a uma reunião e não voltamos para casa com nada para dizer para o nosso povo: “Eu conquistei tal coisa”. Todos nós ficamos ansiosos. Eu, no começo, ficava nervoso porque o Kirchner ia para as reuniões, ficava um dia e depois o Kirchner vinha embora para a Argentina. Eu falava: por que é que ele não fica os dois dias com a gente aqui e tal? Depois ele virou, agora, secretário-geral da Unasul. Agora ele vai ter muito mais dor de cabeça e muito mais reuniões do que ele tinha na época.

Aprovamos a entrada da Venezuela no Mercosul e, lamentavelmente, o Parlamento brasileiro demorou quatro anos para aprovar, muito mais por preconceito político, porque não há nenhuma divergência econômica para [não] ter aprovado. Eu acho que a mesma coisa pode se dar no Paraguai, e é preciso que a gente trabalhe para que outros países façam parte do Mercosul. Não tem lógica, não tem lógica, não tem lógica, nem econômica, nem cultural, nem comercial, que nós que temos milhões de quilômetros de fronteira seca em que o nosso povo pode transitar de lado a lado, que a gente não tenha um comércio muito mais forte, que as nossas empresas não se desenvolvam construindo parcerias. A gente não precisa abdicar das nossas relações com outros países, mas a gente tem que privilegiar as nossas relações. Afinal de contas, se a gente não cuida dos filhos da gente, a gente não pode dar palpite nos filhos dos outros. É preciso, primeiro, cuidar de onde nós temos um potencial extraordinário.

Nós temos energia, nós temos petróleo, nós temos gás, nós temos possibilidade hídrica como nenhuma parte do mundo tem, nós temos tudo que o mundo precisa, sobretudo para dar exemplo nessa discussão sobre a questão do clima. Os países ricos fazem discursos de bonzinhos, mas querem que nós submetamos o nosso desenvolvimento para cuidar de coisas que eles não cuidaram. Foi por isso que nós não tivemos acordo em Copenhague, porque a grande proposta, a grande proposta de contenção de emissão de gases de efeito estufa dos companheiros americanos era de apenas 4%, se pegássemos como base 1990. A Europa poderia ter oferecido 30%, ofereceu 20%. E eles acham que podem resolver o problema do mundo dando um pouco de dinheiro para os países pobres não desmatarem as suas florestas, ou seja, para os países pobres ficarem pobres, subdesenvolvidos, enquanto eles podem, sofisticadamente, cada vez mais, exportar para nós produtos de valor agregado, cada vez mais sofisticados.

No fundo, no fundo, é isso que está em jogo nessa discussão. Ninguém quer abrir mão dos privilégios conquistados. E nós não queremos manter privilégios, nós queremos conquistar o direito do nosso povo ter o mesmo direito que eles já têm. Cada argentino, cada brasileiro, cada boliviano, cada venezuelano, cada chileno, cada uruguaio, paraguaio, cada companheiro do Haiti tem que ter o mesmo direito de ter acesso a todos bens materiais que eles têm porque, senão... Se o planeta Terra não oferece matéria-prima suficiente para todo mundo ter o padrão de vida alemão, é preciso, então, que a gente discuta como utilizar corretamente as matérias-primas e as riquezas que existem no mundo.

Então, essa é uma discussão que vai se dar muito forte em Cancún, e essa discussão vai se dar, outra vez, Cristina, com os Estados Unidos, ela vai se dar, outra vez, com a Europa, e ela vai se dar com a China. E nós precisamos estar preparados e, quem sabe, construir uma proposta do Mercosul; quem sabe, o Kirchner trabalhar para a gente construir uma proposta da Unasul; fazer o possível para a gente fazer uma proposta, mas sem abrir mão do direito de continuarmos nos desenvolvendo. Esse é um dado delicadíssimo.

Então, eu acho que nós avançamos de forma extraordinária. E quero, Cristina, dizer que eu só tenho uma frustração, que era um sonho meu: que era que nós pudéssemos construir o acordo entre Mercosul e União Europeia, na sua Presidência e na Presidência do companheiro Zapatero, o que não foi possível. E agora, como o grande adversário dessa união me parece que são os companheiros franceses, eu agora vou ter cinco meses pela frente para tentar convencer os franceses a fazerem o acordo União Europeia e... Deus queira que a gente consiga e, quando, em dezembro, quando em dezembro, eu for passar a Presidência, acho que é para o Paraguai, lá... eu já estou dizendo que a reunião será convocada lá em Foz do Iguaçu, porque além do Mercosul, nós vamos visitar a escola que está sendo construída... a Universidade Latino-Americana, com professor latino-americano, com currículo latino-americano, com aluno latino-americano, e já vai ter uma base funcionando nos prédios de Itaipu... Então, vai ser lá a reunião.

Bem, ditas essas coisas, eu queria dizer aos companheiros que os avanços que nós conseguimos são visíveis e o nosso povo sente. Eu tenho sempre uma parte improvisada e uma parte institucional. Essa institucional é porque o Brasil vai ter uma nova pessoa que vai assumir a Presidência. Então, eu preciso deixar algo provado, do que foi o meu penúltimo discurso.

Eu gostaria, companheiros e companheiras... É quase um agradecimento à lealdade que nós tivemos nesses anos de convivência. Acho que a América do Sul e o Mercosul hoje são exemplos de como o mundo poderia viver em paz, de como o mundo poderia viver sem armas nucleares, de como o mundo poderia viver sem guerra, de como o mundo poderia viver de forma muito mais harmônica. Eles poderiam aprender conosco, poderiam aprender conosco. Eles não poderiam ter os ciúmes que tiveram nesses últimos dias, que eu peço a paciência de vocês para contar.

Eu, Cristina, não conhecia o Presidente do Irã, até que eu o encontrei na ONU, uma vez, e resolvi conversar com ele. Depois que conversei com ele, fui conversar com o Obama, fui conversar com o Sarkozy, fui conversar com a Angela Merkel, fui conversar com o Gordon Brown, sobre o problema dos conflitos entre iranianos, europeus, Estados Unidos e Israel. Depois eu fui à Palestina conversar com o presidente Abbas; depois eu fui a Israel conversar com o Primeiro-Ministro de Israel; depois eu recebi o Presidente de Israel no Brasil, tivemos conversa; depois tive uma conversa com o Presidente da Síria; recebi o Presidente do Irã no Brasil, e depois eu fui ao Irã.

O que me deixou profundamente chocado é que nenhum dos presidentes, dos grandes do Conselho de Segurança, tinham conversado com o Irã. Estive com Medvedev... mostrando para eles que era necessário que alguém pegasse o telefone e chamasse o Presidente do Irã para conversar, afinal de contas nós tínhamos lá os homens mais importantes do Planeta, que são os homens que têm... são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Eu não sei se é pelo fato de serem os membros permanentes do Conselho de Segurança, que são os cinco países que vendem mais armas no mundo, são os países que têm bomba nuclear. Então, deveriam chamar o Irã para conversar. Essas coisas a gente resolve na conversa, como foi resolvido o acordo aduaneiro agora, aqui. Em dois minutos de conversa o Lugo decidiu.

Pois bem, diziam que era impossível, que o Irã não queria sentar para conversar. O Primeiro-Ministro da Turquia e eu, Celso Amorim e o chanceler deles, depois de 18 horas conseguimos assinar um documento em que ele se dispunha a sentar à mesa de negociação com o Grupo de Viena, que era o grupo composto por Rússia, Estados Unidos e França. Não, só os três. Qual não foi a minha surpresa, qual não foi a minha surpresa, que quando ele manda o documento no domingo à noite – porque nós exigíamos prazo –, os países do Grupo de Viena, em vez de começarem a dizer “Bom, estão criadas as condições para negociação”, começaram a discutir o aumento das sanções. Possivelmente, eles nem queriam ler o documento. E o documento – o que me deixou mais irritado –, é que o documento – e eu posso dizer para vocês aqui –, o documento que nós firmamos com Ahmadinejad era a carta explícita que o Obama mandou para mim e mandou para o Primeiro-Ministro da Turquia. Exatamente o que Obama disse que era possível fazer, nós fizemos.

De repente, aquilo que era para ser um acordo virou sanções. Eu não acredito em sanções porque essas sanções, também, têm problemas. Deve ter sanção para as empresas argentinas, para as empresas brasileiras, mas não deve ter sanção para as empresas russas, não deve ter sanção para as empresas americanas, não deve ter sanção para as empresas chinesas. Eles vão continuar... A Rússia vai continuar fazendo a usina nuclear do Irã, a Argentina... o Chile vai... a China vai continuar cuidando do petróleo lá, e os outros mortais comuns é que vão ficar fora.

Eu fiquei muito decepcionado porque hoje eu me pergunto se as pessoas querem paz ou se as pessoas querem manter o clima de instabilidade que existe para poder utilizar a teoria, muito conhecida, de Maquiavel: é preciso dividir para reinar. Hoje eu tenho essa convicção, porque não é possível, não é possível que as pessoas não conversem com quem está nos conflitos, para negociar. Como é que eu posso fazer pacto com o Piñera se eu não me sentar com o Piñera para conversar? Como é que a gente vai restabelecer a harmonia entre Colômbia e Venezuela, se Chávez e o novo presidente não sentarem para conversar. Como é possível resolver um conflito do Brasil com a Argentina, se eu e Cristina não sentarmos para conversar? Então, em política, a gente não pode terceirizar o mandato que o povo nos deu. Em política, quem foi eleito precisa exercer o seu mandato e fazer o que tem que ser feito, negociar, conversar, porque, às vezes, um companheiro nosso, assessor, pensa diferente. Eu acho, acho que... Eu queria fazer esse depoimento aqui, porque eu ainda vou discutir com eles na ONU, ainda vou discutir com eles no G-20. Eles não vão... Nós vamos fazer uma discussão profunda sobre isso, porque eu acho que...

Nós não queremos guerra. E se alguém quiser saber um lugar tranquilo no Planeta, olhe para a América do Sul, olhe para este continente. Aqui nós temos todos os defeitos do mundo, mas faz muito tempo que nós não fazemos guerra entre nós. Às vezes, temos guerra verbal, que não fere ninguém, não ataca ninguém. Por exemplo, eu fiz uma... eu falei uma coisa com a imprensa, nesses dias, e o Uribe ficou meio nervoso e fez uma nota. Sabem como é que eu vou me vingar de Uribe? Eu vou, na segunda-feira à noite, jantar lá, no jantar de despedida dele, para ele saber que eu não tenho nenhum problema com ele, que eu gosto dele, que é meu amigo, e que eu quero ajudar a construir a paz. Então, o meu gesto vai ser ir jantar, para ver se ele me convida para sentar ao lado dele, ainda, para a gente poder conversar. Senão, a gente não constroi a paz no mundo, senão a gente não constroi a tranquilidade, senão a gente não constroi o Mercosul, não constroi a Unasul, não constroi o Parlamento do Mercosul. Por que não aprovamos o Parlamento do Mercosul? Qual é a dificuldade que nós temos? Qual é a grande divergência de fundo, que a gente não tem um Parlamento? Que vai ajudando a gente a fazer as coisas, com erros e com acertos. Nada, nada, nada vai ser definitivamente pronto, é um processo de aprendizagem. E nós vamos aprendendo com os erros, sabendo que não pode ter supremacia de um país sobre outro país, sabendo que o Parlamento não pode aprovar uma coisa que fira a soberania de um outro país. E a gente só vai atingir a maturidade política quando a gente tiver responsabilidade.

Então, meus queridos companheiros e companheiras, eu acho que... Eu vou deixar o meu discurso escrito aqui para outra oportunidade. Eu acho que nós ainda temos muito, muito o que fazer. Por exemplo, no Brasil nós aprovamos uma grande política de inovação tecnológica. E essa política de inovação não pode ser só para o Brasil, nós temos que ter laboratório no Mercosul inteiro. Cada país do Mercosul tem que ter um laboratório... [estar] conectado com um laboratório para a gente poder avançar nessa questão da inovação tecnológica, que é uma necessidade, hoje, do mundo. A questão energética, nós não podemos ficar, a cada inverno, a cada verão, vendo um país nosso ter problema energético. Nós temos que sentar e pensar, definitivamente, como é que nós vamos resolver esse problema.

Então, companheiros... eu queria, Cristina, te dar os parabéns. Acho que a tua Presidência foi, na minha opinião, uma extraordinária Presidência. Acho que este documento assinado é uma demonstração do avanço extraordinário que nós tivemos. Eu espero que na minha Presidência a gente possa avançar um pouquinho mais, e que em outras presidências a gente possa avançar um pouquinho mais, até que o Mercosul seja uma coisa que ninguém tenha mais dúvida de ninguém e que nós sejamos amigos de verdade na construção de um bloco político, econômico, social e cultural.

Portanto, eu quero agradecer a todos vocês pelo tratamento que me deram, nesse tempo todo. Obviamente que não é o discurso de despedida porque vai ter outro discurso, mas é quase... tudo o que eu faço, daqui para a frente, é quase a última vez. Sinceramente, saio daqui com a consciência de que... lá no meu país tem gente falando contra o Mercosul, lá no meu país tem gente falando contra o Mercosul, lá no meu país tem gente achando que não vale a pena a gente manter relações privilegiadas com a Bolívia, com o Uruguai, com o Paraguai, são todos países “pequeninicos”.

Eu quero dizer o seguinte: as pessoas não sabem... Eu estava com o Lugo, quando um jornalista brasileiro perguntou: “Companheiro Lula, como é que você está investindo US$ 400 milhões numa linha de transmissão, se quem vai pagar o custo dessa linha de transmissão é o povo brasileiro?” Eu perguntei [respondi] para ele: perguntem o preço de uma guerra, que vocês vão perceber que nós não estamos gastando absolutamente nada com a construção dessa torre.

Portanto, muito obrigado, companheiros, e feliz Mercosul.